“Não Furtarás”
Êxodo 20.15
Introdução
Quando Deus incluiu nas suas Dez Leis Morais eternas o mandamento “não furtarás”, com certeza não estava apenas propondo um valor ético. Deus desejava que algo se apegasse ao nosso coração quanto à nossa forma de entender a nossa relação com as coisas que temos e com o nosso sustento. Com certeza é na esteira dessa mesma intencionalidade que as palavras “o pão nosso de cada dia nos dá hoje” devem ser consideradas também.
O oitavo mandamento deve ser, portanto, considerado em uma esfera de consciência que vai além da simples ordem social. Devemos pensar esse mandamento, no que tange ao nosso relacionamento de amor a Deus e o modo como esse amor deve se manifestar na nossa relação com o nosso próximo e com as coisas que nos cercam e que fazem parte do nosso viver neste mundo.
Nosso convite ao irmãos é que estejamos prontos a perceber em que “temos roubado”, em que temos nos “tornado em furtadores”, de que maneira o nosso coração precisa aprender a pensar para que nossa vida seja de íntegra relação com Deus, com o próximo e com os bens dessa vida.
Vamos refletir nesse mandamento orientados por duas premissas fundamentais. O amor último a Deus é a principal busca nos Dez Mandamento, então relacionaremos esse mandamento com esse propósito divino para a nossa vida. Em segundo lugar, veremos que o amor último a Deus só pode ser experimentado e conhecido verdadeiramente pelo fruto visível do nosso amor ao próximo. Assim, a graça de amar o próximo é a revelação de que amamos a Deus.
Essas duas premissas fundamentais deverão orientar nossa meditação nesse mandamento e em todos os demais dessa chamada “segunda tábua da Lei”, que apresentam os mandamentos que implicam em relações diretas com as outras pessoas.
Não Furtarás - Um Mandamento que Previne o Pecado de Intentar Contra o Sustento do Nosso Próximo
Deus é o Senhor de todas as coisas e dos seres vivos também, quer sejam ou não crentes na existência de Deus. O Senhor é quem supre de bênçãos o justo, mas também o ímpio, tudo vem do Senhor, ele cuida de todos.
Quando alguém toma posse do que pertence a outro está privando aquela pessoa daquilo que Deus designou para o seu sustento e para a sua vida. Deus destinou tudo o que precisamos para a nossa vida e a sua medida é perfeita para cumprir o seu propósito providente para cada um, quando violamos essa medida, estamos violando a própria vontade de Deus e retirando do próximo aquilo que havia sido destinado a ele para o abençoar.
Deus acusou os líderes políticos de Israel de pecados deste tipo, quando desviavam aquilo que deveria ser para o sustento dos mais pobres e agregavam aos seus bens pessoais, ainda que de maneira aparentemente legal.
Anunciai isto na casa de Jacó e fazei-o ouvir em Judá, dizendo: Ouvi agora isto, ó povo insensato e sem entendimento, que tendes olhos e não vedes, tendes ouvidos e não ouvis. Não temereis a mim? Diz o SENHOR; não tremereis diante de mim, que pus a areia para limite do mar, limite perpétuo, que ele não transpassará? Ainda que se levantem as suas ondas, não prevalecerão; ainda que bramem, não o traspassarão. Mas este povo é de coração rebelde e contumaz; rebelaram-se e foram-se. Não dizem eles mesmos: temamos agora ao SENHOR, nosso Deus, que nos dá chuvas, a primeira e a última, que nos conserva as semanas determinadas da sega. As vossas iniquidades desviam estas coisas, e os vossos pecados afastam de vós o bem. Porque entre o meu povo se acham perversos; cada um anda espiando, como espreitam os passarinheiros; como eles, dispõem armadilhas e prendem os homens. Como a gaiola cheia de pássaros, são as suas casas cheias de fraude; por isso, se tornaram poderosos e enriqueceram. Engordam, tornam-se nédios e ultrapassam até os feitos dos malignos; não defendem a causa dos órfãos, para que prospere; nem julgam o direito dos necessitados (Jeremias 5.20-28).
Todas as vezes que privamos as bênçãos e provisões de Deus para o nosso próximo, não importando o modo como o fazemos estamos quebrando o oitavo mandamento e sendo condenados pelo furto, pela falta de amor e respeito para com o próximo.
Os líderes de Israel estão sendo condenados na Palavra de Jeremias por intentarem contra a segurando da vida das pessoas mais fragilizadas socialmente. Eles faziam isto, usando o que eles chamavam de “direito”, mas só produziam injustiça. O verso 31 deste capítulo, nos informa que os profetas, falsamente davam sustento “moral” a essa prática e os sacerdotes faziam o serviço sujo.
Deus deseja ser amado e que os seus filhos aprendam a cuidar daqueles que ele colocou em seu caminho. Cumprir essa função social de cuidar dos mais frágeis é um projeto de Deus para que aprendamos a amá-lo e demonstremos isso na lealdade do uso de nossos bens em favor dos outros. Paulo, escrevendo sobre o cumprimento deste mandamento diz o seguinte:
Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado (Efésios 4.28).
Neste aspecto, espero que este exemplo seja suficiente, devemos pensar que não estamos falando apenas de bens materiais, porque há outras bênçãos e providências que Deus dispõe ao nosso próximo e que muitas vezes nós interferimos e roubamos. Somos roubadores e quebramos o oitavo mandamento quando interferimos na paz que Deus destinou a outra pessoa, transtornando-a propositadamente, levando-a a viver insegura, ou assustada.
Pense em alguém que, sem nenhum motivo liga para outra pessoa para levantar suspeitas infundadas, sem comprovações sobre a seriedade do seu cônjuge e da solidez do seu casamento, esta pessoa está roubando a paz e a alegria do desfrute de um lar. Estou dando um exemplo, mas muitas outras possibilidades de ações que podem ser fruto da quebra do oitavo mandamento
Quando o objetivo de uma ação é tornar a vida de outra pessoa um lugar de desestímulo e desordem, ou quando, com nossas ações privamos o próximo de desfrutar da providência e bênção de Deus para a sua vida, quebramos o oitavo mandamento.
Portanto, o oitavo mandamento é uma grande trava contra este espírito egolátrico, autocentrado que nos induz a buscar a felicidade, tirando o que é próprio do outro.
Não Furtarás - Um Mandamento que Previne o Pecado de Tentar Viver Sem Deus
Quando o pecado foi inserido no coração do homem este passou a viver segundo um padrão EGOLÁTRICO. Ou seja, o coração humano passou a pensar e a existir em torno de si mesmo com o fito de agradar a si mesmo. Como tenho repetido demais esse conceito vou me limitar agora a apenas dizer isto.
O oitavo mandamento é um alerta e uma prevenção contra a nossa forte inclinação em rejeitar a vontade de Deus para a nossa vida e tentarmos viver por nós mesmos. Esse foi o ponto central da proposta da serpente: “como Deus”...
A rebeldia do coração do homem o impulsiona a viver alheio a vida de Deus e muitas vezes sem reconhecer de onde vem o seu sustento. Para muitos, todas as suas realizações tem uma única fonte: sua própria força. O salmo 10 é um alerta contra a loucura ímpia de viver como se Deus não existisse:
Pois o perverso se gloria na cobiça de sua alma, o avarento maldiz o seu SENHOR e blasfema contra ele. O perverso, na sua soberba não investiga; que não há Deus são todas as suas cogitações (Salmo 10.3-4).
O oitavo mandamento é uma trava à nossa inclinação natural para descrer na providência divina. Todos nós, em alguma medida, temos inclinações para o viver sem Deus, alheios à vida de Deus, como diz Paulo. Não podemos subestimar isso. Disto decorre também a nossa tendência de tentar viver usufruindo de bênçãos que não nos pertencem, numa tentativa de tentar garantir por meios próprios a nossa sobrevivência.
Deus designou a porção que nos é necessária para a nossa felicidade nesta terra e na eternidade. Contentar-se com o que temos é o propósito final deste mandamento que se o cumprirmos seremos levados ao patamar de pessoas que confiam no Senhor, isso faz crescer o nosso amor e admiração por Deus, faz crescer o nosso amor pela vida que temos recebido e nosso amor pelo próximo e o cuidado com o bem estar do mesmo e o cuidado com aquilo que pertence ao outro.
Esse é um outro lado dessa vida que se dispõe a viver na dependência de Deus. Ou seja, estou falando de reconhecermos que os outros também precisam daquilo que lhe foi outorgado pelo Senhor e, portanto, este mandamento nos induz a cuidar do que é dos outros.
Infelizmente, vivemos em uma cultura em que somos incutidos de que devemos defender nossos direitos e precisamos revisar esse premissa e incutir a ideia de valorizarmos os nossos deveres e compromissos.
Nosso compromisso para com o nosso próximo, segundo este mandamento, se estende ao ideal de protegermos o que é do outro e não somente o que é nosso.
Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros (Filipenses 2.4).
Nosso Catecismo Maior diz o seguinte:
Pergunta 140
Quais os deveres exigidos no oitavo mandamento?
Os deveres exigidos no oitavo mandamento são: a verdade, a fidelidade e a justiça nos contratos e no comércio entre os homens, dando a cada um o que lhe é devido; a restituição de bens ilicitamente tirados de seus legítimos donos; a doação e a concessão de empréstimo, livremente conforme as nossas forças e as necessidades de outrem; a moderação de nossos juízos, vontades e afetos em relação às riquezas deste mundo; o cuidado e empenho providentes em adquirir, guardar, usar e distribuir aqueles coisas que são necessárias e convenientes para o sustento de nossa natureza e que condizem com a nossa condição; o meio lícito de vida e a diligência no mesmo; a frugalidade; o impedimento de demandas forenses desnecessárias e fianças, ou outros compromissos semelhantes; e o esforço por todos os modos justos e lícitos para adquirir, preservar e adiantar a riqueza e o estado exterior, tanto de outros como o nosso próprio.
Não Furtarás - Um Mandamento que Previne o Pecado de Não se Alegrar na Providência de Deus
Deus preparou todo o jardim para a felicidade do homem. De toda a árvore do jardim comereis livremente, Deus reservou para si a árvore do conhecimento do bem e do mal. Ela simbolizava o limite de Deus e o respeito e honra obediente ao SENHOR. O problema daquela árvore não era o que ela daria ao homem, mas o que ela roubaria do homem: a confiança em Deus e a alegria de descansar na suficiência e sabedoria da providência divina.
A Escritura é uma manual sobre a suficiência de Deus. Ela nos conduz a viver e confiar na sua vontade soberana e na sua capacidade de cuidar de nós e nos garantir tudo o que precisamos. São realmente desafiadoras as palavras do autor aos Hebreus:
Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma, te deixarei, nunca jamais te abandonarei (Hebreus 13.5).
Muitas vezes, Deus reservou coisas para si e ordenou os seus filhos a respeitarem esse limite. Um bom exemplo disto é o que aconteceu na entrada na terra prometida. Deus ordenou que Jericó fosse destruída e que nenhum dos bens materiais fossem tomados pelo seu povo. Mas Acã os cobiçou, tomou para si o que Deus não lhe tinha destinado e por isso, ele e a sua casa sucumbiram (veja em Josué capítulo 7).
Deus sabe o que precisamos. Ele com muito amor designou tudo o que é necessário para que a nossa existência alcance o mais elevado grau de felicidade e a felicidade do nosso próximo. É roubar também o guardar apenas para si mesmo e, tendo recursos deste mundo, não considerar que Deus tenha escolhido você para ajudar o próximo, portanto, parte do que você tem, está em seu poder, mas foi destinado ao seu próximo. Quem tem maturidade para isto, viva.
Não receber de bom grado o que Deus tem dado e não contente, procurar violar o que pertence a outro é desconfiar de Deus e declará-lo incapaz de prover o que lhe é necessário.
Por outro lado, quando nos contentamos na providência de Deus e aprendemos a viver contente com o que ele nos dá, descobrimos um novo significado para cada uma das coisas que possuímos e, por isso, usufruímos melhor destes recursos, porque usufruímos com alegria.
Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura, como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece (Filipenses 4.12-13).
O mesmo apóstolo completa sua exortação à alegrai com a seguinte palavra:
E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma das vossas necessidades. Ora, a nosso Deus e Pai seja a glória pelos séculos dos séculos. Amém (Filipenses 4.19-20).
Não há nada errado nas riquezas materiais, devemos considerá-las como fruto da providência de Deus. Mas, o princípio bíblico da riqueza é que a providência de Deus é dada a cada segundo a vontade de Deus, não para fazer distinção social entre nós, para duplamente fortalecer o nosso amor a Deus.
Aos que são chamados ricos deste mundo, é ordenado não terem as riquezas apenas como tendo significado para si mesmos. Eles devem considerar a necessidade de ajudarem os mais pobres e serem gratos por poderem agir como instrumentos da providência de Deus sobre a vida do seu próximo. Ricos, egoístas, que tudo guardam para si mesmos estão quebrando o oitavo mandamento, pensem nisto.
Por outro lado os pobres, os que precisam de outros para viver e que precisam ser socorridos em suas necessidades. Deus os coloca em uma condição em que as grandes providências de Deus se mostrarão ainda mais gloriosas, pois Deus usará meios para o seu sustento, como alguém, que sente no coração o desejo de ir à casa de outro e levar uma cesta de alimentos, como eu mesmo já fui agraciado assim. Louvado seja o Senhor!
Não resmungar e proferir blasfêmias contra Deus por não termos tudo à mão, mas glorificar o seu nome, porquanto, percebendo e agradecendo pelos ricos caminhos da providência amaremos mais a Deus.
CONCLUSÃO
Não é a riqueza ou a pobreza que nos garantem a felicidade, mas o amar a Deus acima de tudo e receber tudo dele com gratidão. Lutemos contra todo o pecado que nos assedia para vivermos em quebra deste oitavo mandamento. Não permita, meu caro irmão, que em nada você seja levado a um tipo de vida egocêntrica.
Procure exercitar os valores que a Palavra ordena de cuidado com o próximo e gratidão com o que você tem recebido. Não roube o que é do seu próximo e não deixe ser instrumento do maligno para interferir no processo de providência divina na vida das outras pessoas.
Sobretudo, pense sempre no quanto Deus te ama e tem lhe dado o que você precisa para uma existência completa na sua presença, quer nessa esfera, quanto na eternidade, sobretudo lá.
Cristo Jesus é a grande obra da providência derramada sobre os filhos de Deus. Ele é o grande valor e por causa dele tudo passa a ter um valor menor. Por isso, o crente deve ser, antes que os demais, uma pessoa satisfeita na Providência Divina.
Aplicação para a Igreja Presbiteriana de Vila Formosa
A igreja pode e deve agir com benevolência para com os mais pobres. Atentar para as necessidades dos necessitados deve ser um compromisso para com aquilo que o Senhor tem proposto.
Portanto, em nosso convívio, é necessário ter mais atenção para com os irmãos. Não devemos falar e pensar apenas em bens materiais, olhe para o fato de que os seus dons são providências de Deus para que o próximo cresça, quando você os recolhe só para si é como se roubasse o seu próximo daquilo que lhe pertence.
Não seja instrumento para tirar a paz de ninguém. Não saia da sua boca uma palavra depreciativa, que roube a honra ou a alegria de outrem. Não podemos permitir que certos comportamentos se instalem, não fechem o coração para o próximo.
Um outro problema em nosso meio: não roubem o perdão que você deve a alguém. A paz do seu irmão não te pertence, não o deixe esperando, não quebre este mandamento e não se torne, portanto, condenável diante de Deus.
Eu exorto que a boa prática de uma vida que pense realmente no bem estar o outro esteja presente em nossas ações e que haja grande disposição entre nós para cuidar do crescimento espiritual uns dos outros.
Se Deus lhe ofereceu riquezas deste mundo, não deixe de ser generoso e cuidadoso para com a causa dos necessitados. Pessoas de coração pronto a dar são necessárias, principalmente em um contexto de tanta necessidade como a do nosso país. Se Deus lhe conceder galgar cargos mais elevados, não permita que o orgulho com isso, roube o seu amor.
Oração
Que os filhos da tua Igreja sejam teus imitadores e sejam generosos uns para com os outros. Amém.