23 de fevereiro de 2014

Marcos 5.35-43

“A autoridade de Jesus e a nossa fé”

 

Foco da Nossa Condição Decaída

Este texto nos conduz a repensar os limites humanos sob o critério do poder e autoridade de Jesus Cristo, nosso rei. Marcos nos conduz a refletir no fato de que Jesus tem autoridade para vencer todos os limites e o propósito desta mensagem é nos despertar para uma fé que vence os próprios medos e limites.

Introdução

Os Evangelhos trabalham essa passagem referindo-se ao milagre da ressurreição da filha de Jairo sempre de forma intercalada com a cura da mulher enferma de fluxo de sangue. Mateus, Lucas e Marcos criam o clima de expectativa e geram sempre a questão de que Jesus parecia saber muito bem que estava para vencer o limite da morte.
No caso de Marcos, destacamos que sua ênfase na autoridade de Jesus, nos conduz a pensar que o exercício do poder sobre a morte e a vida deveria provocar no coração dos crentes a mais completa certeza de que Jesus é o Filho de Deus e, por isso mesmo, pode ser crido, amado e seguido.
Um contraste, entretanto, deve nos chamar a atenção. O fato de que Jesus lhes exigiu que a ninguém contasse o que estava acontecendo. Ele ordenava o segredo de sua messianidade e não foi apenas uma vez no Evangelho em que ele recusou usar suas curas e sinais como publicidade do seu ministério.
Mas Jesus lhes advertia severamente que o não expusessem à publicidade (Marcos 3.12).
Trabalharemos nessa mensagem com este intrigante texto que nos conduz a um repensar de nossa relação com Jesus Cristo, seu poder e autoridade. Perceberemos que o nosso Senhor, quando nos socorre em nossas aflições, trabalha sob os auspícios de um amor pessoal e verdadeiro que tem por cada um de nós, pois somos suas ovelhas e ele nos conhece pelo nome.
Como devemos agir diante de um amor pessoal tão intenso, diante da autoridade de Jesus?

Diante do exercício da autoridade de Jesus devemos reagir com fé mesmo que tenhamos chegado no nosso limite

Essa história, como vocês podem perceber, começa ainda no verso 21, quando Jairo, chefe da sinagoga procura Jesus na esperança de levá-lo à sua casa para curar a sua filha gravemente enferma.
Eis que chegou a ele um dos principais da sinagoga, chamando Jairo, e, vendo-o, prostrou-se a seus pés, e insistentemente lhe suplicou: Minha filhinha está à morte; vem, impõe as mãos sobre ela, para que seja salva, e viverá (Marcos 5.22).
Mas, a história se torna dramática pelo fato de que, no trajeto até à casa de Jairo, Jesus fora comprimido por uma multidão, que o impedia seguir mais celeremente.
Em meio a esta multidão, os evangelistas nos dão conta, um momento se destaca. Uma mulher, em segredo, toca as vestes de Jesus e ele parou.
Quem me tocou? (Marcos 5.31).
Os discípulos estão espantados com essa pergunta: como assim? Tem tanta gente aqui! Como ele pergunta: quem me tocou?” Parecia lógica a posição dos discípulos. Mas, em meio aquela multidão, Jesus tinha um encontro pessoal. Ele tinha curado uma pessoa na multidão, mas para ele a ovelha sempre tem nome.
Jairo, estava vendo o tempo passar, sua filha está à morte, mas ele para para ouvir o Senhor dizer àquela mulher:
Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz e fica livre do teu mal (Marcos 5.34).
Fé era uma palavra a ser destacada por Marcos. Ele entendia que a fé em Cristo Jesus e na sua autoridade era um requisito básico para uma cristã forte, que venceria todos os obstáculos, como em sua época estava começando a acontecer.
Mas, Jairo recebe uma notícia triste. As suas esperanças tinham chegado ao fim. Ele deixara sua família, sua filha à morte e correra atrás de uma última esperança, o toque das mãos de Jesus. Mas, agora tudo estava acabado:
Falava ele ainda, quando chegaram alguns da casa do chefe da sinagoga, a quem disseram: Tua filha já morreu, por que ainda incomodas o Mestre? (Marcos 5.35).
Algumas vezes, Deus nos desafia além do limite de nossas esperanças. Ele propõe ao nosso coração o desafio de crer contra a esperança. Como seria a vida de Jairo sem a sua filhinha. Aquela menininha, jovem ainda que levara o seu pai à correr atrás de Jesus?
Não sei exatamente o que passara no coração de Jairo naquele momento. Contudo, Jesus não lhe deu muito tempo, desconsiderando as más notícias voltou-se a Jairo e disse:
Não temas, crê somente (Marcos 5.36).
Jesus está propondo a Jairo que mude o foco de sua atenção. Não dê ouvidos ao que dizem, não olhe para as circunstâncias, olhe para mim! Creia!
Diante do momento de esperar na autoridade de Jesus devemos reagir sempre com fé, não importando as circunstâncias. Podemos sempre confiar em Jesus e descansar com fé em sua autoridade e poder.
Não temas - a proposta de uma fé centrada em Cristo é a transformação do coração angustiado em um coração descansado no Senhor. O salmista Davi, muitas vezes declarou essa necessidade de descansar o coração no Senhor.
Deus meu, clamo de dia e não me respondes, também de noite, porém não tenho sossego. Contudo, tu és santo, entronizado entre os louvores de Israel. Nossos pais confiaram em ti, e os livraste. Clamaram e se livraram, confiaram em ti e não foram confundidos (Salmo 22.2-5).
Quando valorizamos as circunstâncias e nos esquecemos de Jesus, nosso coração se atemoriza. Mas, se olharmos para Jesus, esqueceremos as circunstâncias. Quem dirige a nossa vida é aquele que tem autoridade sobre as nossas circunstâncias.
Crê Somente - Nada além da fé. Os reformadores gritaram: Sola Fide! Martinho Lutero, em particular, tinha o seu coração carregado por muitas angústias, pois achava que precisa sempre fazer mais para merecer o amor de Deus. Um dia, subindo as escadas do seu mosteiro ele se deparou com: O justo viverá por fé. Desde então, o homem assustado e preocupado cedeu lugar a alguém que seria capaz de dizer:
A força do homem nada faz, sozinho está perdido. Mas nosso Deus socorro traz, em seu Filho escolhido (Castelo Forte - Hino 155 HNC).

Diante do exercício da autoridade de Jesus devemos reagir com fé mesmo que a incredulidade nos cerque
Uma grande multidão comprimia Jesus. Ele, que aceitara essa compressão até então, agora se afasta dessa multidão. Muitas vezes, a multidão seguiu Jesus, mas ele não confiava nela. Ele sabia muito bem quem eram as suas ovelhas e não as confundia.
Agora, era momento de dar uma atenção particular ao caso de Jairo. Ele impede que outros o sigam e chama um pequeno grupo. Um grupo de discípulos que estava se acostumando a dividir momentos bem próximos com Jesus.
Contudo, não permitiu que alguém o acompanhasse, senão Pedro e os irmãos Tiago e João. Chegando à casa do chefe da sinagoga, viu Jesus o alvoroço, os que choravam e pranteavam muito. Ao entrar, lhes disse: Por que estais em alvoroço e chorais? A criança não está morta, mas dorme. E riam-se dele. Tendo, ele, porém mandado sair a todos, tomou o pai e a mãe da criança e os que vieram com ele e entrou onde ela estava (Marcos 5.37-40).
Em geral há sempre muita gente com esse espírito incrédulo. De fato, humanamente falando, as circunstâncias muitas vezes proporcionam que o nosso coração se turbe e se torne desesperançoso.
Aquelas pessoas agiram com incredulidade, pois Jesus havia afirmado a elas que a menina não estava morta e eles se riam de Jesus. Eles pensaram que ele estava louco ou desinformado da situação. A questão é que não deram ouvidos a Jesus.
Infelizmente, não é raro encontrar pessoas que não aceitam a palavra de Jesus. Elas não conseguem ouvir a voz de Jesus acima da voz das circunstâncias que os cercam.
Não importa o quanto a situação seja difícil, ouvir a palavra de Jesus e descansar nela é o dever dos discípulos de Jesus Cristo.
Quando o Senhor chamou a Abrão e lhe prometeu dar uma grande família. Sara se riu da promessa.
Disse o Senhor a Abraão: por que se riu Sara, dizendo: será verdade que darei ainda à luz, sendo velha? Acaso para o Senhor há coisa demasiadamente difícil? (Gênesis 18.13-14).
Precisamos viver sob o discernimento de que Deus faz tudo a seu tempo de forma sábia e perfeita. O não de Deus é tão perfeito e santo quanto o seu sim e cumpre os seus propósitos com a mesma eficiência. Diante da autoridade de Jesus devemos agir com fé, mesmo quando a incredulidade nos cerca.
Nenhum daqueles que se posicionaram incrédulos tiveram o privilégio de entrar naquele quarto de saber de primeira mão o que havia acontecido. Nenhum dos incrédulos que circundavam Jairo e sua família foi convidado a partilhar de um momento tão glorioso e desfrutar do maravilhoso momento em que a fé nos move o coração à adoração:
Então, ficaram todos sobremaneira admirados (Marcos 5.42).
Se creres vereis a glória de Deus! A fé é fundamental para as mais profundas experiências de adoração. Esse tipo de adoração não pode ser experimentada apenas por que cantamos um hino de letra e música maravilhosos ou majestosos. A mais profunda experiência de adoração, acontece, muitas vezes, quando o silencia é a nossa única reação possível.
Imagine-se no lugar de Jairo e sua esposa. Que palavras poderiam ser ditas. O silencia, com certeza poderia ser um contraste com o barulho da multidão incrédula.

Diante do exercício da autoridade de Jesus devemos reagir com fé pois Ele te mostrará um amor pessoal

Os versos 41 a 43 nos proporcionam uma dupla reflexão. A primeira delas é sobre o fato de que Jesus restringe o conhecimento deste milagre apenas ao seu seleto grupo de discípulos e à família de Jairo por uma questão de amor pessoal. A segunda lição tem a ver com o “segredo messiânico” que visava proteger Jesus de ser impedido em sua jornada ao maior e mais maravilhoso sinal do amor de Deus, a cruz.
Um amor pessoal por nós
Deus tem um amor pessoal por suas ovelhas. Ele afirma claramente que ele conhece suas ovelhas e as chama pelo nome.
Para este o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as conduz para fora (João 10.3).
Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim, assim como o Pai me conhece a mim, e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas (João 10.14-15).
Jesus não usaria a ressurreição da filha de Jairo como uma placa de propaganda do seu poder. Jesus fez o que fez por amor a Jairo, porque é um Senhor compassivo. O mesmo Senhor que sentiu um toque especial de uma filha em angústia em meio à multidão, pode entrar na privacidade do lar e da aflição de Jairo e trazer consolo ao seu coração.
Não temas, crê somente - não são palavras que exigem uma fé geral, mas pessoal. Deus pontua que deseja um relacionamento entre Pai e Filho, como o apóstolo João faz questão de mostrar que o amor do Pai e do Filho é o modelo para o amor de Jesus para conosco.
Um amor pessoal que tem um preço pessoal
Entre as mais importantes lições que aprendemos sobre a vida e ministério de Jesus é que ele veio para morrer por mim e por você. Ele salva o seu povo, mas nos salva pessoalmente.
Jesus não usou o milagre da casa de Jairo como propaganda do seu ministério, porque tinha um projeto ainda mais elevado sobre a vida de Jairo, sua família, seus discípulos, muitos da multidão e sobre nós que estamos aqui hoje. Ele tinha o projeto de realizar o mais absoluto sinal de autoridade e poder sobre a vida e a morte, ele venceria a morte, na sua morte na cruz.
A pequena (Talita) filha de Jairo ressuscitaria, mas continuava precisando dos mesmos cuidados que qualquer um dos mortais. Ela precisava ser alimentada.
Mas Jesus ordenou-lhes expressamente que ninguém o soubesse, e mandou que dessem de comer à menina (Marcos 5.43).
Ele não queria que a multidão o soubesse para que não confundissem a sua missão. Ele não veio para ser um médico curador de enfermidades gerais, ou um filósofo, um mestre singular... Jesus veio para nos dar vida em abundância e o fez quando morreu em nosso lugar e com sua morte destruiu de vez o poder da morte sobre nós.
Este amor pessoal levou Jesus à cruz por você. Sua vida deveria ser dedicada a Ele. Essa sim é a resposta de fé que precisamos dar.
Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim (Gálatas 2.20).

A melhor resposta diante da autoridade de Jesus sobre a vida e a morte é viver com fé, considerando que ele te ama pessoalmente.

Conclusão

Marcos nos convoca a pensar que a autoridade que Jesus exerce sobre a morte e a vida deve ser considerada em uma atitude de fé.
Exercitar a fé em Cristo não importando se os nossos limites já chegaram, ou se a incredulidade bater à porta do nosso coração.
Nem sempre o Senhor ressuscitará os nossos mortos, mas ele fará o que for necessário por amor a nós. Ele nos dará o que precisamos e nos mostrará o seu amor final, a partir do seu mais glorioso ato de amor, sua morte na cruz.
Confie nele e se desperte para viver em intensidade essa fé. Ela te levará a desfrutar o amor pessoal de Cristo que quando se revela ao nosso coração nos dá uma alegria e um senso de adoração inexplicavalmente mais elevado que qualquer outra experiência da vida.
Creia apesar de tudo, de todos e até mesmo de você. Creia em Cristo somente. Creia somente!
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Aplicação Para  a Igreja Presbiteriana de Vila Formosa

Uma igreja se mostra sadia quando compreende que a fé é vivida em uma intensa coletividade de pessoas que vivem uma relação pessoal com Deus.
Cada um a seu modo e do seu jeito, a seu tempo. O jovem geraseno, que todos tinham desistido dele; uma mulher que os médicos tinham desistido, ou um pai desesperançoso com a morte de sua filha. Cada um, a seu modo, tiveram um encontro pessoal com Jesus que venceu os limites humanos.
Hoje, é à Igreja Presbiteriana de Vila Formosa e a cada um dos seus membros individualmente que o Senhor chama para uma experiência vitoriosa, pela fé.
Não posso colocar fé nos corações. Mas creio que Deus pode. Ele pode usar essa palavra e pode fazê-lo até sem palavra alguma. Ele te chama a crer nEle. 

Não temas, crê somente!

Oração

Senhor, conceda-nos uma fé que transcenda os nossos limites e nos impulsione a viver mais próximos a ti.

Amém.



12 de fevereiro de 2014

Evangelho de Marcos - Notas Introdutórias

 O EVANGELHO DE MARCOS

 

Nota Explicativa

Desejo iniciar um trabalho contínuo de acúmulo de informações sobre os livros bíblicos e começarei com o Evangelho de Marcos.
Começo com este Evangelho apenas pela oportunidade de estar utilizando o seu texto como fonte para os sermões que pregarei durante o primeiro semestre de 2014. Aproveito, assim, para unir os dois trabalhos: pregação e estudos bíblicos.
O objetivo deste trabalho introdutório é oferecer o conhecimento básico necessário para que qualquer cristão, interessado em compreender melhor as suas leituras deste tão precioso Evangelho.
Não se trata de um trabalho com objetivos acadêmicos, mas tão somente pastoral. Oferecendo aos membros da Igreja Presbiteriana de Vila Formosa, o pouco que conheço e algumas horas de estudo pessoal nas Escrituras.
Ao longo dos anos, espero, sempre que possível, revisitar este material e ampliar e corrigi-lo para que, um dia possa servir de forma bastante eficaz à Igreja de Cristo.
Não é possível identificar com toda a certeza quem foi o autor deste evangelho. O próprio texto não nos dá nenhuma indicação clara. Seguiremos o caminho mais comuns dos estudiosos mais conservadores que identificam o autor do segundo evangelho como sendo João Marcos, sobrinho de Barnabé.
O Evangelho de Marcos, por muitos estudiosos, é considerado o primeiro retrato do ministério de Jesus Cristo a ter sido registrado. Ele pode ter sido a fonte comum dos outros dois sinópticos (Mateus e Lucas) ou ainda pode ter utilizado o material primário que os outros dois também fizeram.
Outro aspecto relevante neste momento é que há uma possibilidade bastante grande de que Marcos tenha tido uma forte influencia do ministério de Pedro, especialmente de suas pregações, como veremos adiante.
Também adiante, falaremos mais sobre as motivações e objetivos de Marcos ao escrever este Evangelho. Mas, certamente, o seu texto tem um objetivo bem claro que é apresentar Jesus Cristo como sendo o Messias, Filho de Deus e, por isso mesmo, destacar a sua autoridade sobre os homens.


O autor do Evangelho

Partindo da nossa premissa de que o autor do segundo evangelho é João Marcos, sobrinho de Barnabé, voltaremos à Escritura para tentar identificar essa personagem e conhecer um pouco da sua história.
O nome Marcos era como se tratava João, filho de Maria, tia de Barnabé. Trata-se de um nome grego, adicionado a um jovem judeu que residia em Jerusalém, mas que teve grande parte da sua vida gasta na obra missionária em meio ao mundo grego (Atos 12.25).
O evangelho nos mostra um judeu, escrevendo para não judeus. Na verdade, isso pode ser inferido das diversas explicações dos ritos judaicos (ex. Marcos 7.1-4).
Vejamos a seguir como as passagens bíblicas fazem referência a este jovem seguidor de Jesus Cristo.

O rapaz carregando um cântaro
O terreno que percorremos é arenoso e movediço. Não podemos fazer afirmações categóricas, mas assumimos, por informações de outros estudiosos antigos,  algumas posições.
Uma destas posições é a de que o jovem, indicado por Jesus, como guia para o local da última ceia, seria este Marcos. Ele é apresentado no texto no capítulo 14.13-16.
O cenáculo (sala grande) usada por Jesus para celebrar a páscoa com os seus discípulos, poderia ser parte da casa de João Marcos e de sua mãe, que se tornaram seguidores de Jesus.
Maria, mãe de João Marcos, era uma mulher rica e possivelmente viúva. Talvez toda a sua família, a exemplo de Barnabé, fosse uma família de posses. Essa família possuía uma grande casa em Jerusalém, embora tivessem suas origens familiares na Ilha Chipre. Uma vez que Barnabé, quando se separa de Paulo, levando consigo João Marcos, vai para a ilha de Chipre.
Este cenáculo, parte da casa de João Marcos, teria se tornado também o local de oração dos discípulos depois da morte de Jesus Cristo e na sua ascensão (Atos 1.12-13; 12.12).

Um jovem envolto em um lençol
Um outra possível referência à presença de João Marcos está no próprio evangelho, no capítulo 14.51-52.
Essa referência é bastante considerada como sendo a ao  evangelista, uma vez que era comum que, os autores de determinados escritos históricos, omitissem o seu nome (a exemplo de João - o discípulo amado) quando desejam fazer referência à sua pessoa na sua obra.
O texto do jovem desnudo só pode ser encontrado neste Evangelho e, de fato, nenhum significado especial teria se não fosse uma referência pessoal a Marcos.
Possivelmente, ele ainda jovem, seguia Jesus e os discípulos que haviam deixado o Cenáculo e fora acompanhá-lo por conta de sua admiração por aquele homem e tudo o que o envolvia.
Mas, quando os guardas chegaram ele teria fugido, deixando o lençol com seus perseguidores. Esse jovem parecia seguir Jesus no anonimato e outros não teriam tido essa informação. Lucas e Mateus, por conta dos seus objetivos pessoais, preferem omitir essa informação que importou apenas a Marcos.

Um jovem missionário e um desistente
Paulo e Barnabé retornam a Jerusalém com João Marcos (Atos 12.25). Aqui, o jovem João Marcos é inserido na caravana missionária do seu primo Barnabé, ao lado do apóstolo Paulo, ainda chamado Saulo a esta altura.
Eles, então, são enviados em uma primeira viagem missionária, que está relatada no capítulo 13 de Atos.
No entanto, talvez motivado pelas dificuldades enfrentadas na ilha de Pafos, ao chegarem à Perge, na Panfília, João Marcos decide afastar-se do grupo e retornar à sua casa em Jerusalém (Atos 13.13).

Um jovem sendo discipulado
 Noutro momento, depois de encerrada a primeira grande viagem missionária. Paulo e Barnabé estão de novo em Antioquia e a Igreja decide novamente enviá-los em viagem missionária.
Barnabé propõe ao grupo que leve novamente João Marcos, que estava novamente se apresentando à obra missionária (Atos 15.36-37). Paulo, porém, discorda de Barnabé e ambos decidem seguir em caminhos diferentes (Atos 15.38-39).
Barnabé, entretanto, leva consigo João Marcos, acreditando em seu potencial missionário, para a sua terra natal Chipre. Paulo, foi para Siria e Cilícia, com Silas.

Um jovem restaurado
O que as cartas do Novo Testamento falam sobre João Marcos nos mostram que todo o problema ocorrido na primeira viagem missionária tinha sido solucionado.
Na verdade, o que veremos é que João Marcos e Lucas se tornarão dois dos mais importantes e fiéis colaboradores do ministério de Paulo.
Na carta aos Colossenses, João Marcos é apresentado acompanhando Paulo na sua prisão (Colossenses 4.10). Ele seria enviado à cidade de Colossos para instruir os irmãos a respeito do que fazer naquele momento.
Onésimo, um dos que estavam na prisão com Paulo, retornou à Colossos e levou uma carta para Filemon, na qual Marcos é mencionado como um dos cooperadores do ministério de Paulo (Filemon 24). Essa menção nos oferece a possibilidade de pensar que Marcos não teria feito parte da comitiva à Colossos.
Talvez, neste tempo, ele tivesse ficado em Roma acompanhando Pedro, que fez uma menção à sua companhia, inclusive indicando uma ligação muito forte com João Marcos (2 Pedro 5.13).
Paulo, novamente requisita a presença de João Marcos, em uma das suas últimas epístolas (2 Timóteo 4.11). Essa menção de Paulo a JOão Marcos nos dá todo o entendimento que devemos ter da restauração deste moço que, teve o seu momento de deserto, mas que foi restaurado pela paciência de seu primo Barnabé e pela obra do Espírito Santo.
O que podemos entender que João Marcos acabou por desenvolver algum tipo de ministério de apoio muito importante aos apóstolos, em especial Pedro e Paulo.


Principais temas do Evangelho
Não é tarefa tão simples determinar quais seriam as ênfases pretendidas por um escritor do primeiro século, que viveu ao lado de homens como Pedro e Paulo. Mas é, com certeza, o dever de todo estudioso das Escrituras, investigar no texto as pistas deste próprio autor, esperando que a iluminação do Espírito Santo o ajude a encontrar a mensagem deste importante texto canônico.
Na verdade, podemos afirmar com certeza de que o seu propósito tinha uma interligação com os interesses e necessidades da comunidade cristã naqueles dias.
Considerando que o Evangelho de Marcos como um dos mais antigos escritos do Novo Testamento e que pode ter sido escrito e entregue por volta dos anos 50 a 60 d.C., seria de alguma valia que tivéssemos alguma informação sobre esses irmãos e irmãs, primeiros leitores do Evangelho.

A Comunidade Cristã nos dias de Marcos
Em geral, o Evangelho de Marcos é considerado como um escrito de ênfase gentílica, muito provavelmente para um público romano. Essa possibilidade é ressaltada por tradições primitivas que informavam que o Evangelho fora escrito por Marcos na cidade de Roma, segundo as orientações de Pedro (Papias 135-140 D.C. - Bispo de Hierápolis, o mais antigo registro que faz referência à autoria de Marcos - ver “História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia).

Alguns elementos que apontam para uma audiência romana:
A) Linguistas indicam que há latinismos no texto de Marcos (4.21; 12.14; 6.27).
B) O uso do termo quadrante, moeda romana, que definia o valor dado pela viúva pobre, o que Lucas se limita a dizer “todo o seu sustento”.
C) Marcos, por exemplo, explica costumes judaicos (Mc 7. 3-4), quando trata das purificações cerimoniais.

Estes e outros elementos sugerem uma igreja vivendo em Roma (1Pe 5.13) para qual Marcos escreve um Evangelho, segundo as instruções e testemunhos do próprio Pedro.
Essa comunidade, que estava na sede do império, com toda possibilidade, já começava a sentir o peso das perseguições que nos anos posteriores haveriam de recair sobre a igreja e até sobre os judeus, quando Nero, em 64 D.C. pós fogo em Roma, culpando estes dois grupos, o resultado disto foi a destruição do templo de Jerusalém no ano 70 D.C..
Pedro e Paulo possivelmente foram mortos nos dias de Nero, após o início da perseguição. O evangelho de Marcos não faz referência a este período, mas insiste em orientar os cristãos sobre a possibilidade de serem perseguidos (Mc 4.17; 13.9; 13.13-19). Isso tudo revela a crescente oposição ao cristianismo e Marcos esteve preparando a comunidade cristã a manter-se firme nestes dias.
Dentro deste clima de fortalecimento e encorajamento para a luta contra a oposição do mundo, Marcos estabelece alguns temas que podem ser encontrados na leitura do Evangelho.

Jesus o Filho de Deus
Um dos temas que encontramos no Evangelho é logo anunciado no primeiro versículo:
Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus (Mc 1.1).
 O Evangelho tem uma preocupação intensa em nos mostrar Jesus Cristo e sua origem em Deus. Embora não se ocupe em descrever o nascimento de Jesus, ele reafirma a filiação eterna de Jesus (Mc 1.1, 11, 24; 3.11; 5.7; 9.7; 15.39).
Marcos, entendia que se os crentes tivessem um claro conceito de que Jesus era verdadeiramente o Filho de Deus, sua postura diante das adversidades para a fé seria a de coragem e determinação.
Suas descrições a respeito de Jesus não param somente na sua origem e filiação divina. Marcos demonstra que, como Filho de Deus, ele recebe do Pai autoridade.

A autoridade de Cristo
O tema da autoridade tinha um significado muito importante para os crentes romanos. Inclusive, devemos nos lembrar que uma parte significativa da guarda romana tinha aderido à fé cristã (Fp 4.22).
Ao apresentar a autoridade de Cristo ele comunicava aos crentes romanos uma convicção muito forte de que era necessária uma relação de obediência a Cristo (2Co 10.7-8).
Ao longo do texto, muitas vezes, a autoridade de Cristo é reafirmada claramente (1.22, 27; 2.10; 11.28-33). Outras vezes, essa autoridade é inferida pelas palavras usadas por Marcos, como por exemplo as ordens que dava para a realização de seus sinais (2.11; 3.12; 4.39-41; 5.41; 9.25).  

A Humanidade de Jesus
A ênfase de Marcos na autoridade e origem divina de Jesus não o fez sucumbir na questão da sua humanidade. Marcos, como os demais apóstolos, sabia que a obra redencional só poderia ser considerada realizada se o redentor fosse verdadeiramente homem (1Jo 4.2-3).
Essa postura de Marcos serviria de incentivo para que a Igreja primitiva percebesse o intento salvador da encarnação do verbo e, baseados nessa percepção, se mantivessem firmes em sua caminhada como uma resposta de completa gratidão (Gl 2.20).
O devido equilíbrio entre a divindade e a humanidade de Cristo é positivamente vista no evangelho no uso dos termos “Filho de Deus”, mas também “Filho do Homem” (2.10, 28; 8.31,38; 9.9-12; 10.33; 13.26).
Como homem, várias referências demonstram isso: ele come (2.16), se angustia (3.5), dorme (4.38), tem fome (11.12),  bebe (15.36) etc..
A visão de Jesus como homem, leva a igreja cristã em meio a perseguição a entender que Jesus Cristo se compadece da situação da sua igreja (5.25-26; 6.34) o que é apresentado pelos inúmeros casos de curas que Marcos descreve.

A urgência do Reino  
A urgência do reino é um tema dominante do Evangelho (1.15; 13.28-37). Essa urgência pode ser percebida no fato de que este evangelho é marcado pelo movimento.
Os conectivos de texto com ênfase na ideia de tempo e deslocamento geográfico são abundantes no Evangelho (14.1; 11.12; 10.46 e muitos outros). Essa construção não pode ser considerada apenas como uma questão de estilo, mas de ênfase.
Marcos, tinha interesse em apresentar Cristo a caminho de Jerusalém com a urgência de cumprir a sua missão, contudo, estabelece a conexão de que não se trata de pressa, mas de prioridade.
Isso talvez explique porque o evangelho se inicia e rapidamente objetiva o ministério público de Jesus. Após uma rápida introdução, o batismo de Jesus é apresentado (1.9-11) e logo ele já está pregando o evangelho de Deus (1.14).
Enfatizar a urgência do Reino era um recurso para estimular a Igreja a perceber que sua estada neste mundo não poderia ser considerada um fim em si mesmo, mas que os crentes deveriam viver a mesma perspectiva do Reino.

A missão da Igreja
A missão da igreja, ordenada no capítulo 16 de Marcos (noutra oportunidade discutiremos a questão do final curto ou longo do Evangelho), é dada dentro dos termos desta urgência e coragem para enfrentar todas as dificuldades da vida (16.14-18).
Mas, para poderem se manter nessa jornada, vencendo as adversidades, os crentes deveriam crer em Jesus e este evangelho apresenta um conteúdo para que Jesus fosse crido, amado e servido por seus discípulos (16.19-20).

A Harmonia dos Evangelhos Sinópticos

Os evangelhos sinópticos são uma parte muito importante da literatura bíblica. Eles estão entre as primeiras tentativas de aplicar uma mentalidade cristocêntrica à igreja primitiva. Evidentemente, neste interessante modelo de cristocentrização da Igreja por meio do relato do ministério terreno de Cristo, podemos também incluir João, um evangelho mais tardio, escrito talvez no final do século I.
Em geral, os evangelistas viveram um tempo de crise de fé na igreja iniciante. As promessas da vinda de Jesus pareciam tardar e muitos estavam mortos. Alguns dos discípulos haviam morrido e outros, começavam a perceber sua partida.
A continuidade da fé cristã, entenderam os evangelistas, estaria fortemente ligada à uma consciência clara da sua cristocentricidade. Seus relatos, se tornaram, então, uma das mais significativas ferramentas para trazer a Igreja à certeza de Cristo Jesus.

Para que tenhas plena certeza das verdades em que foste instruído (Lucas 1.4).
Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar, até ao dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às alturas (Atos 1.1-2).

 Agostinho foi o primeiro a usar a expressão “harmonia dos Evangelhos”, a qual vem sendo usada por estudiosos de todos os tempos para definir o significado e importância dos sinópticos no que tange ao texto e à sua construção.

Os principais pontos a serem discutidos neste estudo são:
A) As Fontes dos Evangelhos
B) Os relatos comuns dos evangelhos;
C) Os relatos distintos dos evangelhos;
D) Os relatos discrepantes dos evangelhos.

As Fontes dos Evangelhos Sinópticos
A tese mais aceita na academia cristã mais conservadora é que Marcos teria sido o primeiro dos evangelhos sinópticos a ser escrito.
Marcos teria se apoiado grandemente nas reminiscências do Apóstolo Pedro e também se utilizado de fontes orais e alguns fragmentos escritos a respeito da vida de Jesus.
Mateus e Lucas teriam consultado Marcos como uma fonte balizadora inicial e disposto de outros materiais em comum. O que explicaria o fato de haver passagens em Mateus e Lucas que não se encontram em Marcos (ex.:Mt 12.33-37 e Lc 6.43-45).
Há vários possíveis argumentos em favor da primazia de Marcos. Mas dois nos parecem mais razoáveis.
A) A brevidade do Evangelho de Marcos - o fato de Marcos ser um evangelho mais breve favorece a sua primazia pelo simples fato de que, se Marcos tivesse sido escrito após qualquer porque teria omitido tanta informação importante? Não teria sido desperto para usar as mesmas informações aplicando ao seu propósito central. Por exemplo, não teria utilizado a magistral frase “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra...” com o intuito de fortalecer o seu tema da autoridade de Cristo? Por outro lado é bastante lógico que, tendo Mateus e Lucas um evangelho já escrito, fizessem o mesmo utilizando os seus dados e outros ainda disponíveis, como os textos nos mostram que fizeram.
B) A ligação de dependência e independência de Marcos e a harmonia com o mesmo. Deixe-me explicar isso. Noventa por cento do texto de Marcos pode ser encontrado nos outros dois, às vezes em um e não no outro e às vezes, em ambos. Quando observamos estes textos comuns e não comuns entre os evangelhos, notamos algumas coisas. Por exemplo, notamos que a sequência de alguns textos em Mateus, combina com Marcos e não com Lucas; e que ´há sequencias de textos que combinam entre Lucas e Marcos e não com Mateus; mas, por outro lado, não temos nenhum texto em que a sequencia combina entre Mateus e Lucas, discordando de Marcos.
Estas duas razões apontam para uma primazia de Marcos aos outros dois evangelhos.
Lucas, como ele mesmo identifica, escreveu o seu evangelho depois de constatar que outros já haviam feito o mesmo (Lc 1.1).
A tradição da Igreja Católica considerou por muito tempo que a primazia seria do Evangelho de Mateus, por ter sido o único dos escritores sinópticos a ter convivido diretamente com Jesus. Entretanto, esse argumento nada tem de definitivo para afirmar essa primazia. O ponto que levantamos é, o que teria levado Marcos, se não foi o primeiro evangelho a ser escrito, a omitir tantas passagens importantes, como já dissemos anteriormente.
As fontes que Marcos teria se utilizado, possivelmente, além das reminiscências de Pedro, como já dissemos, outros fragmentos escritos sobre a vida de Jesus e a tradição oral dentro da própria igreja a respeito dos fatos que haviam se dado ali em Jerusalém.
Luca atesta que essa prática de tradição oral era um dos modos de recuperar a história de Jesus (Lc 1.1-2). E podemos ver um exemplo disto são os discípulos no caminho de Emáus que estão conversando sobre os acontecimentos de Jerusalém (Lc 24.14). Essa tradição oral sempre foi uma marca dos judeus e permaneceu na cultura inicial da igreja cristã.

Os relatos comuns dos evangelhos
Os evangelhos sinópticos têm muitos relatos comuns. Alguns deles são impressionantemente iguais.

Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados - disse ao paralítico:  Eu te mando: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa (Mc 2.10-11).
Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados - disse, então, ao paralítico: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa (Mt 9.6).
Mas, para que saibais que o Filho do Homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados - disse ao paralítico: Eu te ordeno: Levanta-te, toma o teu leito e vai para casa (Lc 5.24). 

Lucas e Marcos incluem a ordem para que o homem se levante. Mateus não aponta para a ideia da ordem. Mas, no restante, todo o verso é bastante semelhante.
As semelhanças dos sinópticos não param apenas na compilação de textos semelhantes. Também encontraremos sequências de acontecimentos relatados na mesma ordem.

Os relatos comuns dos evangelhos trabalham em favor da ideia de que eles tinham como figura central a vida e obra de Jesus. A cristocentricidade da Igreja era um alvo dos apóstolos e de todos os líderes do cristianismo inicial e, do próprio Senhor, que inspirava os seus discípulos para o registro destas histórias.

Os relatos distintos dos evangelhos
Os relatos distintos, isto é, aqueles que constam em um dos evangelhos e não nos outros também são assunto de especial interesse.
Essas distinções trabalham em favor da ideia de que realmente existia uma intencionalidade distinta de cada evangelista, um público distinto e uma independência intelectual entre os evangelistas. Não se tratava de escritos para provar um ponto de vista construído por um grupo de líderes interessados em manipulação.
Além de nos mostrar diferentes nuances do ministério de Cristo e diferentes enfoques e abordagens, os evangelistas também nos mostraram que trabalham com várias fontes e que as histórias do ministério terreno de Jesus haviam alcançado vasto público e se difundido fortemente.
Exemplos:
Lucas, por exemplo, é o único a relatar sobre a missão dos setenta e o seu retorno (Lucas 10.1-12 e 10.17-20).
Mateus o único a ter uma sessão grande de parábolas sobre o Reino (Mt 13.33-52).
Marcos, o único a nos falar sobre o cego de Betsaida, curado em duas etapas (Mc 8.22-26).
Os propósitos e público distintos, as fontes diferentes e os momentos diferentes resultaram em evangelhos diferentes. Todos eles trabalharam com uma seleção de materiais, pois de fato, Jesus fez muito mais do que está relatado. O que é contado em cada um dos evangelistas, segue um propósito bastante claro.
Até mesmo alguns acréscimos e supressões no próprio texto. Por exemplo, o relato da volta de Jesus. A parousia não é um tema que Lucas deu muita atenção, preferindo um relato que omitisse a palavra “céu” para o retorno de Cristo (comparar: Lc 21.25-28; Mt 24.29-31; Mc 13.24-27).

O Evangelho de Marcos e os Discursos de Pedro

A ideia geral de que o Evangelho de Marcos tem uma relação vital com a pessoa e testemunho de Pedro é bem antiga na história da igreja. Já no segundo século temos informações dos pais da Igreja sobre essa relação. 

Papias (115 d.C), afirmou: 
"Marcos, tendo-se tornado intérprete de Pedro, escreveu acuradamente tudo quanto lembrou". 
Irineu (185 d.C) disse: 
"Agora, depois da morte de Pedro e Paulo, Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, também transmitiu-nos em escrito, o que Pedro pregou". 
Como podemos ver a ideia de proximidade discursiva entre Pedro e o Evangelho de Marcos é uma afirmação que estava fortemente difundida na Igreja do primeiro e segundo século. 
Em geral, os estudiosos afirmam que estas afirmações são coerentes com a própria estrutura apresentada no próprio evangelho quando comparamos com os discursos de Pedro em Atos. 

Os discursos de Pedro em Atos

O livro de Atos do Apóstolos, que poderia muito bem ser apelidado de Atos de Pedro e Paulo, retrata fortemente a trajetória destes dois ícones dos primórdios da Igreja. Em geral, compreende-se que Lucas enfoca essas duas personalidades com o propósito de nos mostrar o crescimento da Igreja nas suas duas vertentes mais significativas: os judeus  (ministério de Pedro) e os gentios (ministério de Paulo).
"... antes, pelo contrário, quando viram que o evangelho da incircuncisão me fora confiado, como a Pedro o da circuncisão" (Gálatas 2.7). 
Logo no início da Igreja Cristã, Pedro se destaca com o líder do colégio apostólico. Ele, com sua personalidade marcante, se apresenta como o primeiro grande orador dentre os chamados apóstolos de Cristo e de toda a comunidade cristã inicial. 
O médico historiador, destaca o desempenho da liderança de Pedro por meio de um resumo de seus principais atos à frente daquele grupo emergente do judaísmo, que se destacou pela sua pregação em nome de Jesus Cristo de Nazaré. 
"Pedro, cheio do Espírito Santo, lhes disse: Autoridades do povo e anciãos, visto que hoje somos interrogados a propósito do benefício feito a um homem enfermo e do modo por que foi curado, tomai conhecimento, vós todos e todo o povo de Israel, de que, em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, a quem vós crucificastes, e a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, sim, em seu nome é que este está curado perante vós" (Atos 4.8-10). 
Pedro, portanto, tornou-se um porta voz do cristianismo nascente e Lucas registrou alguns dos seus discursos no Livro de Atos. Estes discursos podem enfatizam sempre a ideia de Jesus Cristo como o Messias de Deus, que foi rejeitado e morto pelos Judeus, tendo sido ressuscitado por Deus de entre os mortos.

Em geral, oito discursos do livro de Atos dos Apóstolos são atribuídos a Pedro: 

1 - Discurso diante dos irmãos no cenáculo - 1.15-22; 
2 - Discurso diante da multidão em Jerusalém depois do Pentecostes - 2.14-36; 
3 - Discurso diante do povo e das autoridades na primeira controvérsia sobre o nome de Jesus - 4.8-12; 
4 - Discurso de repreensão à Ananias e Safira - 5.8-9;
5 - Discurso perante as autoridades na segunda controvérsia sobre o nome de Jesus - 5.29-32; 
6 - Discurso na casa de Cornélio em Jope - 10.34-43; 
7 - Discurso em defesa dos gentios diante do colégio apostólico - 11.4-17; 
8 - Discurso silente diante dos irmãos após a libertação da prisão - 12.17. 

Tais discursos de Pedro revelam muito sobre sua teologia e liderança no colégio apostólico. Os mais longos e que apontam principalmente para Jesus nos ajudam a discernir uma real estruturação do Evangelho na mensagem e testemunho de Pedro. 

A Cristologia de Pedro e o Evangelho de Marcos

Baseados nos discursos de caráter cristológico de Pedro no livro de Atos, podemos notar que a construção do Evangelho de Marcos segue realmente uma estrutura comum. 

Discurso diante dos irmãos no cenáculo - 1.15-22 

Neste discurso, o primeiro registrado por Lucas, Pedro está tratando da substituição de Judas, o traidor. Ao introduzir a necessidade de substituição, Pedro recorre à Escritura profética (verso 20) e em seguida oferece os parâmetros sobre quais os que estariam qualificados para tal lugar. 
"É necessário, pois, que, dos homens que nos acompanharam todo o tempo que o Senhor Jesus andou entre nós, começando no batismo de João, até o dia em que dentre nós foi levado às alturas, um destes se torne testemunha conosco da sua ressurreição" (Atos 1.21-22). 
Ao posicionar-se sobre os elementos que qualificariam um apóstolo, a ênfase de Pedro recai sobre um conhecimento da obra e pessoa de Cristo Jesus. Ele não trata dos elementos antecedentes ao ministério público de Cristo, tais como, nascimento e infância de Jesus. Ele identifica o batismo de João como o ponto de partida e todo o ministério público de Jesus até sua morte, ressurreição e ascensão. 
Facilmente, podemos notar que esta é a estrutura que Marcos trabalha na construção do seu Evangelho. Devemos considerar que Marcos, ao selecionar material para dar à Igreja Primitiva o necessário para o fortalecimento de sua fé e confiança na mensagem apostólica, ele usa exatamente essa estrutura iniciando pelo batismo de João, o ministério público, a crucificação, ressurreição e ascensão de Cristo. 

Estrutura Resumida do Evangelho de Marcos
Preâmbulo - 1.1-8 (o ministério de João Batista);Início do Ministério de Jesus - 1.9-13 (batismo e tentação de Cristo); 
O ministério Público na Galiléia - 1.14 a  9.50;O ministério público na Judeia - 10.1 a 52O ministério público em Jerusalém e arredores - 11.1 a 14.9
O fim do ministério terreno - 14.10 a 42 (preparação)O fim do ministério terreno - 14.43 a 15.47 (prisão, crucificação, morte e sepultamento)O fim do ministério terreno - 16.1 a 20 (ressurreição e ascensão). 
Como podemos ver comparativamente ao resumo proposto por Pedro, esta estrutura do Evangelho faz todo o sentido, se entendermos que ela foi construída a partir da maneira de Pedro compreender o que era realmente importante saber sobre a vida de Jesus para ser dar um testemunho apostólico. 


Discurso diante da multidão em Jerusalém depois do Pentecostes - 2.14-36

Este é o mais longo discurso de Pedro registrado em Atos dos Apóstolos. Nele, o apóstolo inicia explicando os acontecimentos imediatos do Pentecostes e prossegue com uma importante exortação ao povo de Israel. Seu argumento é acusatório na medida em que aponta que eles rejeitaram o Messias e o crucificaram por conta desse erro do povo, proporcionado pela falsa condução das autoridades religiosas de Jerusalém. 

Após a justificativa profética do seu discurso, ele inicia sua sessão cristológica apontando para Jesus, o Nazareno e os milagres que credenciaram o seu ministério. Ele vai direto ao ponto dizendo que, apesar deles terem conhecimento dos milagres que fez, ainda sim o rejeitaram e o entregaram aos romanos para o crucificarem. Após essa acusação Pedro faz a afirmação da ressurreição como obra de Deus e sua consequente ascensão. 

Podemos notar que ele segue mais ou menos a mesma construção proposta no primeiro discurso. Destacamos, entretanto, mais um elemento, a rejeição de Jesus. 
Marcos, trabalha com este tema em seu Evangelho, propondo que em muitas ocasiões Jesus foi rejeitado. 

A rejeição de Jesus em Marcos
Jesus é rejeitado pelos escribas e fariseus  - 2.6-7; 3.2-6; 3.22; 
Jesus é rejeitado pelos gerasenos - 5.14-17; 
Jesus é rejeitado pelos nazarenos - 6.1-6; 

O discurso de Jesus em Jerusalém, após o acontecimento da descida do Espírito Santo também é marcado por uma grande importância à prisão e morte de Jesus como resultado da rejeição e manipulação das autoridades religiosas. 
Da mesma forma, Marcos dá grande espaço para as advertências de Jesus sobre sua entrega às autoridades que o matarão, tanto quanto aos planos malignos destes para o prender e matar. 

(apontar os textos)

Discurso na casa de Cornélio em Jope - 10.34-43

Este discurso é uma espécie de resumo do entendimento de Pedro sobre o Evangelho (10.36). Ele faz uma breve exposição sobre o que pensa a respeito da vida e obra de Jesus Cristo, o essencial para que aqueles gentios entendessem a fé e cressem. 
Façamos uma breve comparação entre este discurso e o Evangelho de Marcos. Esta tabela a seguir tomo por empréstimo do livro "Introdução ao Novo Testamento" de Donald Carson, Douglas Moo e Leon Morris - ed. Vida Nova. 

Atos 10
Evangelho de Marcos
Evangelho – verso 36
Evangelho – 1.1
Deus Ungiu Jesus com o Espírito Santo – verso 38
A vinda do Espírito Santo sobre Jesus – 1.10
Começo na Galiléia  - verso 37
Começo na Galiléia – 1.16-8.26
Ênfase nas curas – verso 38
Jesus e o ministério de curas – 1.16-7.37
Os sinais em Jerusalém – verso 39
O ministério em Jerusalém – 11.1-14-9
A morte de Jesus – verso 39
A morte de Jesus – 14.10-15.47
Ressurreição – verso 40
Ressurreição – 16.1-40


Conclusão

Podemos de fato considerar bastante plausível a hipótese de dependência de Marcos em relação à cristologia pedrina. Pois, além do testemunho dos pais da igreja, podemos constatar a verosimilidade da tese a partir dos próprios textos bíblicos. 
Fortalece esse argumento também o fato de que Pedro se refere a João Marcos como a um filho em sua primeira epístola (1Pe 5.13), assim como havia uma relação da liderança apostólica com a família de João Marcos (Atos 12.12). 

Podemos ainda verificar essa ligação vital entre o Evangelho e o apóstolo Pedro, a partir de outros elementos. Há a necessidade de se fazer alguns levantamentos e comparações com os sinópticos para percebermos que as omissões em relação a Pedro no Evangelho pode apontar para a interferência do mesmo, assim como também algumas das inclusões. 

Apenas a título de exemplo, vamos pontuar sobre: 

Algumas omissões:
a) a vergonha de Pedro no momento da grande pesca (Marcos 1.16-20 e Lucas 5.1-11). 
b) a declaração tola na cura da mulher com fluxo de sangue (Marcos 5.30-31 e Lucas 8.45)
Algumas inclusões:
a) Identificação de Pedro a procura de Jesus (Marcos 1.35-37 e Lucas 4.42); 
b) Identificação de Pedro no caso da figueira que secara (Marcos 11.20-23 e Mateus 21.18-21). 

Com certeza, poderíamos nos aprofundar mais no estudo deste riquíssimo evangelho e aprenderíamos muito ao observá-lo tendo um olhar na teologia, cristologia e eclesiologia de Pedro, quer nas suas cartas, quer nos seus discursos e ações em Atos dos Apóstolos.