A RESSURREIÇÃO DA VISÃO DO AMOR DE DEUS EM MEU CORAÇÃO
João 21.15-23
O último capítulo do Evangelho de João parece nos convidar para um momento mais na vida de relacionamento entre Jesus e os seus discípulos.
Em particular, quando olhamos o capítulo 20, versos 30 e 31, ficamos com a sensação de que João terminaria o seu evangelho, entretanto, ele inclui ainda mais uma narrativa, com duas cenas desenvolvendo ainda mais o tema da humanidade restaurada de Cristo Jesus e as provas de sua ressurreição, fechando o foco da cena na figura de Pedro e no modo como Jesus tratou de fazer reviver o amor de Pedro por si mesmo, pelo Senhor e por seu próximo.
Pedro Cabisbaixo
Simão Pedro é o protagonista da cena. João descreve suas atitudes, pensamentos, dramas etc.
No início do capítulo, introduzido pelo resumo do que João queria contar, qual seja a manifestação de Jesus aos seus discípulos junto ao Mar de Tiberíades, pontua-se que Pedro está junto a outros discípulos e toma a frente de uma pescaria: "vou pescar, ao que respondem os outros: nós vamos contigo" (Jo 21.3).
Essa cena nos remete a algumas possibilidades. Uma delas é que havia passado alguns dias e Jesus deixara de manifestar-se com a regularidade mostrada no capítulo 20, oito em oito dias. Essa possibilidade nasce do fato de que João muda o modo introdutório da narrativa, que no capítulo 20, pontuava sempre pela menção: "no primeiro dia da semana...".
No capítulo 21 a partícula introdutória do texto é "Depois disto...", o que parece ser um estilo bem joanino, conforme podemos ver em outros capítulos, quando o tempo de cronologia não é tão definido, mas pretende-se assim mesmo mostrar a idéia de progressividade na narrativa dos fatos.
A questão é que vemos Pedro e os discípulos demonstrando uma certa impaciência na espera. Sua decisão de ir pescar sugere um desconforto com a situação e até mesmo uma insegurança com o futuro.
Na progressão da narrativa, quando Jesus se aproxima deles na praia e é reconhecido, como sempre, primeiro por João e depois por Pedro e, novamente o Mestre lhes sugere onde pescar, sendo esta a segunda vez que Jesus os ajudava na pescaria, apontando para o lugar onde estavam, percebemos que a aproximação dos discípulos não é de alegria, nem parece confortável, pois todos sabem que é Jesus, mas não ousavam fazer perguntas a ele (verso 12).
Jesus toma a iniciativa e procura Pedro (verso 15) iniciando uma segunda cena, com o foco todo centrado em Pedro, suas tristezas, perguntas e incertezas. Neste momento, cremos que Deus está fazendo "ressurgir a visão do amor de Deus no coração do discípulo que havia fraquejado, negando o seu Mestre".
Todos nós, em algum momento da vida, nos sentimos como este discípulo. Sentimos que nossa vida não agrada a Deus e que estamos em tão grande falta que não somos dignos de sua companhia, sequer dignos de sua compaixão ou amor.
Podemos dizer que este é um processo natural da consciência cristã, que se ressente de sua própria pecaminosidade e inconsistência, por querer o bem e não conseguir fazê-lo, antes, praticando o que é mal e perverso, contra o amor do Senhor.
Essa é a mesma inclinação ensinada no Salmo 51 e na parábola do filho pródigo: Pequei contra ti, contra ti somente... não sou digno... trata-me segundo a sua justiça...
Não obstante Deus realmente se entristecer com o pecado, Ele nos declara que haverá de sempre restaurar o seu povo e fazer com esse povo volte para Ele mesmo. E percebemos, desde os tempos do antigo Israel, que uma das primeiras coias que Deus faz, quando deseja manifestar este amor por seu povo, é fazer renascer em nosso coração (mente) o entendimento correto, a perspectiva adequada, a visão própria deste Seu amor por nós.
Este processo ocorreu na vida de Pedro e isto podemos extrair deste texto, incluso por João para que a nossa fé se mantivesse firme em Deus e no seu amor.
Ressuscitando a Visão de Que o Amor de Deus se Manifestará em Nosso Amor Manifesto à Sua Igreja
"Tu me amas?" - "Sim, tu sabes que te amo" - "Apascenta as minhas ovelhas."
Essa seqüência proposital do diálogo entre Pedro e Jesus, repetida por três vezes, nos versos 15, 16 e 17, revela a intenção de Jesus em provocar uma reação na mente de Pedro. O texto nos informa que Pedro se entristeceu com estas perguntas.
Curiosamente, no verso 17, a pergunta de Jesus sobre o amor de Pedro por ele, vem com o uso de um verbo diferente. Nas duas primeiras ocasiões, Jesus prefere a idéia de um amor que inclui uma idéia mais "sacrificial", utilizando o verbo "aghapáo", já no verso 17, ele prefere trabalhar com a idéia de "irmandade e fidelidade" utilizando o verbo "filéo".
Tento imaginar que era como Jesus estivesse dizendo a Pedro: Pedro, você se sacrificaria por mim, estaria disposto a dar a vida por mim? Você faria algo muito difícil por mim? Pedro responde, sim Senhor, tu sabes que eu daria a vida por ti! Pedro, você é fiel a mim? Essa era uma pergunta ainda mais pesada, pois trazia à memória o fato de que Pedro o havia negado. Sim, Senhor, tu sabes todas as coisas e sabes que desejo ser fiel a ti.
Como conseqüência natural das respostas de Pedro, Jesus termina com a frase: cuide (bosqueh), guie (poimêne) e alimente (bosqueh) o meu rebanho (meus cordeiros, minhas ovelhas - arniah e probatá).
Jesus está restaurando a visão de Pedro em relação ao amor que ainda tem por ele, mostrando-lhe que aquele amor que ele, Pedro, nutre pelo seu Senhor é coroado com o fato de que Deus não o afastou de sua obra de amar os seus filhos, suas ovelhas.
Jesus chama Pedro para a tarefa de pastoreio, para o ministério em seu rebanho. Em outras palavras, Jesus chama Pedro para continuar o seu trabalho, pois Ele é o Bom Pastor, que Pedro mesmo irá chamar de "Supremo Pastor".
Deus nos ama, dando oportunidade de servi-lo em sua seara, em seu aprisco, exercendo nossos dons e cuidando da sua vinha, seu rebanho, seu povo.
João mesmo, nos ensinou que provamos nosso amor a Deus, quando o amor ao próximo se evidencia em nossas atitudes e, quando isto acontece, Deus prova que nos ama, pois aprendemos a amar, porque Ele nos amou primeiro.
Mas o amor de Deus por nós não se manifesta apenas desta forma, Deus cuida de nós e nos guia pelo caminho. Assim passaremos a considerar os versos 18 e 19.
Ressuscitando a Visão de Que o Amor de Deus se Manifestará Quando Ele Conduzir a Nossa Vida Fazendo-nos Viver Para a Sua Glória
"Em verdade, em verdade te digo que, quando eras mais moço, tu te cingias a ti mesmo e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres. Disse isto para significar com que gênero de morte Pedro havia de glorificar a Deus. Depois de assim falar, acrescentou-lhe: segue-me"
Estes dois versos têm uma mensagem maravilhosa. Sinto uma real alegria ao ver retratado nestes versos o propósito maior de Deus e a maior manifestação do seu amor em nossa própria vida, que é o fato de que Deus nos conduzirá pela vida, de tal forma, que serviremos para que seja exaltada a sua glória.
Olhando para esta estrutura, perceberemos que João intercala a narrativa com uma palavra "editorial", uma espécie de nota explicativa, quando diz: Disse isto para significar com que gênero de morte Pedro havia de glorificar a Deus. Por isso, tratemos a passagem, primeiramente sem esta nota explicativa e depois voltemos a ela.
Alguém te levará pela mão para onde não queres - O ponto de Jesus é chegar a esta fala, ou seja, dizer a Pedro que sua vida mudará completamente. Nem sempre ele será o Pedro que era, antes, a força de Deus em sua vida o transformará. A mudança tem relação com o amadurecimento do apóstolo. Por isso, o texto trata de fazer uma comparação entre o jovem Pedro e o Pedro "gerow", "gerassen" (ancião).
Pedro, mais tarde, se referirá a si mesmo neste termos "eu ancião com eles (presbítero)", o que sem dúvida alguma nos mostra que de fato, Deus trabalhou o amadurecimento da vida de Pedro.
No entanto, o amor de Deus se evidencia neste momento, quando Deus revela a Pedro que ele seria transformado e que Deus guiaria o seu caminho, por isso, Jesus não perde tempo em dizer a ele: vem e segue-me. O que em outras palavras pode ser compreendido desta forma: você me seguirá não segundo o seu modo de andar, mas segundo o modo como eu provocarei os seus passos. Isso é maravilhoso, que Deus nos faça andar segundo a sua vontade, pois, se assim for, ainda que for no vale da sombra da morte, não precisamos temer, porque é Ele quem está nos levando.
É muito melhor andar no vale da sombra da morte tendo Deus como pastor, que ir para lá, apenas com as próprias pernas.
Glorificar a Deus com a vida
- Embora João registre a palavra morte (Phanaton), a idéia geral do verso é que Pedro glorificaria a Deus com a sua trajetória de vida, culminando em uma morte que mostraria sua fidelidade (filéo) e sua vida sacrificial (aghapáo), conforme declarada pelo próprio Pedro nos versos precedentes. João fala em tons explicativos, pois, no momento em que escreve estas palavras, o próprio Pedro já havia deixado este testemunho para todos os irmãos, o que possivelmente, motivou João a incluir esta passagem, como uma nota póstuma ao amigo, companheiro e líder que foi o apóstolo Pedro para a sua vida.
Na verdade, João está disposto a esclarecer alguns possíveis equívocos a respeito de sua própria pessoa e os demais apóstolos. Ele João recebeu o privilégio de ser o último dos apóstolos a morrer. Isso fez com que muitos julgassem que sua lealdade a Cristo fosse maior que a dos outros, uma vez que ele esteve presente no momento dramático da cruz. Mas João deseja mostrar a todos que, na verdade, a vida de cada um dos filhos de Deus glorificará ao Senhor de uma maneira diferente. Isso nos leva ao último trecho da perícope selecionada.
Ressuscitando a Visão de Que o Amor de Deus se Manifestará Quando Ele Tem Um Plano Específico Para a Vida de Cada um Dos Seus Filhos
"Então, Pedro, voltando-se, viu que também o ia seguindo o discípulo a quem Jesus amava, o qual na ceia se reclinara sobre o peito de Jesus e perguntara: Senhor, quem é o traidor? Vendo-o, pois, Pedro perguntou a Jesus: E quanto a este? Respondeu-lhe Jesus: SE eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa? Quanto a ti, segue-me. Então, tornou-se corrente entre os irmãos o dfito de que aquele discípulo não morreira. Ora, Jesus não dissera que tal discípulo não morreria, mas: SE eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?
Mais uma vez a estrutura dos versos nos ajuda a chegar ao ponto fundamental a ser considerado. Novamente, João inclui uma nota explicativa. Desta feita, tem a ver com a sua vida e morte. Quando ele diz: "então, tornou-se corrente entre os irmãos o dito de que aquele discípulos (ele mesmo) não morreria", ele completa a nota explicativa com a seguinte conclusão: Ora, Jesus, não dissera que tal discípulo não morreria, mas: (enfatiza) Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?
Com essa explicação, João faz uma exegese das palavras de Jesus, corrigindo a visão que tinham em relação a ele próprio e nos fazendo pensar seriamente no fato de que Jesus está falando para Pedro que devemos nos concentrar em nosso próprio ministério sem uma preocupação tão extensa em relação aos outros, senão for apenas para prestar-lhe serviços.
Que te importa? (...) segue-me - Podemos dizer que Jesus está dizendo para Pedro: não procures comparação no modo como eu trato meus filhos. Cada um será tratado segundo o meu plano soberano, cada um receberá o seu ministério e cada um receberá o seu próprio galardão. Não se concentre no modo como eu trato os outros, mas pense no fato de que cada um passará por coisas diferentes e, deste modo, todos me servirão.
Essa perspectiva de Jesus é reforçada com as palavras intermediárias que dizem: "se eu quero". Esta palavra - Thelos em grego - foi usada anteriormente para fazer aquele contraste em relação a Pedro: andavas por onde querias e irás por onde não queres. Naquele momento, fora aplicada a Pedro, mostrando que o querer de Pedro não era soberano, mas Deus iria mover o seu querer e transformá-lo. Agora, entretanto, a palavra é utlizada para denotar a soberania de Cristo e da manifestação do seu amor aos seus discípulos. O "thelos" agora é inquestionável: "Se eu quero..." - que te importas? Definitivamente, devemos admitir: Deus tem um plano para cada um dos seus filhos. O que importa? Importa que façamos a nossa parte...
Segue-me - A raiz da palavra grega é o verbo "akoloupheo", o qual denota a idéia de acompanhar e imitar aquele a quem acompanho. Em outras palavras: seja um discípulo de Jesus. Jesus chamava Pedro e lhe mostrava o modo como a sua vida o glorificaria. E ele o ensinou que a maneira como o viver o glorificaria é que Pedro seria um imitador do próprio Senhor. Primeiro, ele o imitaria tendo como prerrogativa o cuidado pastoral com o seu rebanho, em segundo lugar, ele o glorificaria com uma morte muito semelhante a do seu Senhor. Fundamentalmente, ele o glorificaria seguindo-o e tornando-se cada vez mais conformado à sua imagem.
E esta é a maneira como Deus melhor manifesta o seu amor por nós. Nos guiando pela vida, segundo um plano específico, fazendo-nos passar por situações direfentes, com o propósito de revelar em nós o seu próprio Filho.
Desejo fazer aqui uma distinção entre "explosão" e "implosão". Os dois métodos visam a destruição de coisas, talvez para limpar o espaço onde se deseja construir algo novo. Existe um programa no History Channel intitulado "cemitério de máquinas". Em um dos seus epsódios eles falam de implosões de velhos prédios nos Estados Unidos.
Mas a diferença significativa entre a implosão e a explosão não está na destruição que ambos promovem, mas no modo como ambas promovem esta destruição. A explosão espalha partes por todos os lados, a implosão faz com que todos os pedaços fiquem no mesmo lugar, embora destruídos.
O evangelho de Deus é o poder de Deus para destruir e construir vidas novas em seu lugar. Mas o evangelho não nos explode, espalhando pedacinhos de nós por todos os lados, pelo contrário, o evangelho destrói nossa própria auto-confiança, deixando com todos os pedaços de nosso coração no mesmo lugar e nos reconstrói a partir destes pedaços e não de outros.
Creio que podemos considerar que foi isso que Jesus fez com Pedro ao longo de sua vida. Creio que podemos começar essa conclusão com essa visão do que aconteceu com Pedro.
É fundamental para nossa vida cristã que tenhamos uma visão cada vez mais clara do amor de Deus por nós. Algumas vezes nos sentimos frutrados com nossa própria vida. Outras tantas, nossas frustrações apontam contra o modo de Deus agir em nossa vida.
Nem sempre compreendemos porque passamos por situações difíceis, porque fomos nós que pecamos vergonhosamente e porque somente nós somos os que sofrem.
Esse estado mental precisa ser corrigido, como precisava acontecer com Pedro. Cristo levou Pedro a repensar, ele implodiu os seus pensamentos e o levou a sua alma aos pedaços, alguns deles tão pequenos que mal Pedro podia vê-los. Ele o fez sentir os seus erros, mas não permanecer prostrado, cabisbaixo, pelo contrário, o Senhor fez Pedro notar o caminho da manifestação do amor de Deus em sua vida, quando Jesus, pouco a pouco, começou a juntar novamente os cacos de sua alma.
Todos nós precisamos aprender a ver o agir implosivo de Deus e o seu reconstruir amoroso em nossa vida, em particular nos momentos em que nos sentimos pequenos, devedores e aparentemente rejeitados.
Tenho um profundo anseio de que você redescubra o amor de Deus por você. Fazendo uma releitura bíblica da sua vida. Permitindo com que Deus explique melhor o modo como tem agido para que você se torne um discípulo dele.
Também espero que este texto lhe sirva não somente nesta noite, mas todos os dias, quando os vales pelos quais você passar forem absurdamente mortificantes e parecer que você está sozinho.
Espero que você esteja disposto a renunciar suas amarguras em relação a si mesmo, a Deus, ao aparente melhor desempenho do outro e se firme na verdade de que seu chamado para servir a Deus não pode ser deixado de lado, pelo contrário, que você se disponha a voltar ao estado e ao lugar, do qual, nem os seus pecados têm poder de te tirar: o amor de Deus por você.
Deixe ressurgir no seu coração essa visão!