15 de junho de 2010

Atos 2.47a

A Igreja Vista de Fora da Igreja


O cristianismo evangélico passa por uma fase de mudança muitíssimo importante. Nas últimas duas décadas, com o surgimento e crescimento de novas igrejas, apresentando um novo desenho estrutural, os evangélicos começaram a deixar aquele velho complexo de minoria, fechando-se em seus templos, procurando permanecer mais imperceptíveis e intocáveis, e partiram para uma agressiva luta de auto-promoção e propaganda, muitas vezes recorrendo às ferramentas do "marketing religioso".
Essa mutação se deve a vários fatores, inclusive a secularização da própria fé cristã evangélica, mas não podemos negar que uma importante e significativa alteração comportamental aconteceu no seio das igrejas evangélicas, as quais descobriram que existe uma lacuna que precisa ser preenchida e se tornaram mais audazes em buscar esse preenchimento. 
Dentre as mais importantes descobertas deste movimento, detectamos a necessidade de sermos vistos. Muitas igrejas tornaram-se especialistas em serem vistas, aportando em alguns lugares, até então, tidos como restritos das organizações seculares, o rádio e a televisão. Estes grupos começaram a mostrar para a sociedade o princípio evangélico de vida e também deixaram transparecer suas idiossincrasias. 
Surgem os defensores e os acusadores dos movimentos evangélicos, quase sempre com sua base conceitual formada a partir da igreja da mídia. Não obstante todos os problemas que esses grupos causam ao "evangelho" não posso negar que a mudança ocorrida, permitiu à igreja evangélica brasileira acordar para uma necessidade, até então, obscurecida: precisamos ser vistos pelo mundo. 


FCD
Não podemos negar que existe uma necessidade de que o mundo olhe para nós. Não é difícil perceber isso em vários dos textos da Escritura. Jesus disse em sua oração sacerdotal: "...eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim (João 17.23)". 





Nessas palavras de Jesus, devemos notar que a visão do mundo a respeito da igreja não é uma mera observação natural do fenõmeno religioso, mas faz parte integrante da nossa própria vocação para ser luz no meio das trevas.
NO texto de atos 2.42 a 47, focalizando a expressão "e contando com  a simpatia de todo o povo", destacaremos a visibilidade que foi dada à igreja primitiva nos seus primeiros dias e buscaremos alguns princípios que devem ser conhecidos sobre a nossa própria necessidade de ser vistos pelo mundo. 
...e contando com a simpatia de todo o povo

αινουντες τον θεον και εχοντες χαριν προς ολον τον λαον


INTRODUÇÃO
Um dos primeiros pontos é o estudo exegético das palavras do verso, pois nós precisamos compreender o que significam as palavras: contando com a simpatia de todo o povo. .
O texto nos mostra que a visibilidade dada à igreja nesses tempos era uma decorrência clara do modo de vida que se impregnou no coração dos cristãos logo após a sua conversão em Jerusalém. 
A reação da população de Jerusalém, descrita por Lucas é de "simpatia". Em grego "charis", que pode ser traduzido também por "amor" num sentido de aceitação, aprovação, ou ainda mais intenso, traduzido por "favor". Daí, creio, a opção pela tradução "simpatia" na maior parte das Bíblias em português. Em outra palavras, o povo aprovava o que estava acontecendo, ainda que não lhes caísse bem teológicamente, eles compreendiam que aquele grupo "sociológicamente falando" devia ser aprovado, pois sua conduta era boa.
O povo não estava, como depois ficará ainda mais claro, inclinado ao cristianismo daqueles homens, muito embora as conversões ocorriam diariamente, o que acontecia com aquela população é que o modo de vida cristão, forte impacto causou em sua mente, impressionando-os e causando uma importante ligação da igreja com os não cristãos.


Nos pontos seguintes pretendemos refletir sobre alguns dos aspectos fundamentais para esse impacto sobre as pessoas e, em que, isso favoreceu o crescimento fenomenal da igreja de Jerusalém, ao menos naquele momento inicial. 


A IGREJA IMPRESSIONAVA PORQUE VIVIA PRIORITARIAMENTE PARA DEUS
O que muitos fazem para impressionar hoje tem a ver com o que o mundo deseja ver. Na verdade, estamos adotando aquelas mais básicas estratégias de marketing como uma forma de escolher o caminho para tornar a igreja impresionante aos que são de fora. 
Não são poucos os casos em que líderes denominacionais, lançam pesquisas sobre o bairro, a cidade ou o distrito onde estão instaladas suas igrejas e procuram saber quais elementos os não crentes gostariam de ver em uma igreja e, a partir daí, estruturar um trabalho para atrair esse público. 
Rick Warren, um dos grandes mestres do movimento de crescimento de igreja, chega a sugerir no seu best seler "Igreja com Propósito" (um dos mais vendidos na primeira década do século XXI de repercussão tão grandiosa que logo se transformou numa série e em um ministério "qualquer coisa com propósito"), que existe um padrão de membro a ser alcançado  em cada igreja e região, que se deve pesquisar qual o perfil desse membro e começar a moldar o trabalho para alcança-lo.
Há muita coisa boa, bíblica, inteligente e bastante útil naquilo que Warren escreveu, por isso, não podemos dizer que sua obra não tenha nenhuma serventia. Particularmente, muita coisa do que ele escreveu ajudou-me em algumas mudanças que precisei efetivar em meu próprio trabalho na igreja. Entretanto, não podemos nos deixar guiar apenas pragmaticamente sobre o assunto crescimento de igreja, como se o foco fosse o que devemos fazer pelos de fora, na verdade, podemos e devemos pensar muito mais no que podemos e devemos fazer internamente para que isso, se torne em verdadeiro impacto na vida daqueles que olham pelas nossas janelas. 


Voltemos o olhar para a igreja de Jerusalém. Ninguém irá dizer que a frase: "contavam com a simpatia de todo o povo" era fruto de um trabalho intenso que faziam na busca de agradar a população da sua cidade. Na verdade, Lucas parece nos dar a idéia de que isso ocorreu automaticamente, a partir do modelo de vida que eles, assumiram assim que receberam a Palavra de Deus e o Espírito Santo lhes transformou a consciência. 
Em outras oportunidades, exploramos o conteúdo dessa passagem, descrevendo as áreas de perseverança dessa igreja, concluímos dizendo que eles possuíam um FOCO EM DEUS. A frase posta por Lucas no final do verso 46 e início do 47 nos mostra que eles perseveravam unânimes, tanto no templo como de casa em casa e o resultado do seu agir é que isso era em função do temor do Senhor, por isso, louvavam a Deus - louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. 
Não creio que Lucas tenha construído todo esse pensamento e mencionado a simpatia do povo depois apenas por escrever, mas que tinha a intenção de mostrar que isso estava acontecendo como resultado da obra do Espírito Santo na igreja. 


Tenho formada uma convicção de que o melhor momento para visitar a igreja é o culto dominical. Para mim, esse é o momento que melhor nos revela aos que não são cristãos, pois é o momento em que o trabalho está mais exclusivamente voltado para Deus e a adoração do seu nome. O apóstolo Paulo disse que "...aquele que invocar o nome de Deus, será salvo".  Essa é uma frase de perspectiva doxológica, ou seja de adoração. O modo como nos aproximamos de Deus é o que causará o maior impacto na vida dos não crentes, pois isso é justamente o que eles precisam: a presença de Deus. 
Por isso, o culto é um momento muito importante e deve ser tratado de forma muito responsável pela igreja. Transformar o ato cúltico em uma colcha de retalhos sem nexo, em um teatro antropocêntrico não impressiona, pode atrair o homem para o espetáculo musical, plástico ou oratório, mas não causa impacto na alma sedenta da presença de Deus. 


A IGREJA IMPRESSIONAVA PORQUE ERA UMA AGÊNCIA TRANSFORMADORA DE VIDAS
Em segundo lugar, a Igreja de Jerusalém preenchia uma lacuna muito importante, ela descobriu a necessidade de cuidar de si mesma como um corpo. Aquela igreja estava pronta a receber pessoas e trabalhava na vida desses que ela recebia. 
O texto de Lucas nos diz: "enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor dia a dia os que iam sendo salvos". Lucas nos passou a exata noção do quanto Deus estava trabalhando através daquele povo que se reunia em seu nome e conclui esse maravilhoso trecho do seu livro, com a conclusão estrutural sobre o crescimento da igreja. Entretanto, aqui, ele fazia uma referência a tudo o que estava acontecendo e disse que o crescimento da igreja acontecia, porque Deus concedia, acontecia enquanto eles viviam focados em Deus e acontecia na vida dos que eram salvos. 
O conceito de salvação nesse texto está muito ligado a tudo o que Pedro anunciou naquele dia da conversão dos quase 3000. No seu Sermão, ele cita Joel e fala sobre o vale da decisão de Josafá, e ali ele diz que todo o que invocar será salvo, também, quando questionados pela multidão que se arrependia, ele dizia: crede e sejais salvo dessa geração pervertida. Portanto, quando lemos sobre a salvação no verso 47, temos um background que nos ajuda a compreender o que estava aocntecendo na vida dos judeus que se convertiam ao cristianismo, eles estavam reconhecendo sua necessidade, pois viviam corruptamente perante Deus. 
A igreja recebia essas pessoas e logo lhes introduzi em uma comunidade de transformação, isso impressionava os de fora. Não tenha dúvidas de que as pessoas querem saber o que pode mudar a sua vida naquela comunidade e, à medida que a igreja recebe pessoas e trabalha pela transformação de sua vida, isso atrai outros mais. 


A IGREJA IMPRESSIONAVA PORQUE DEUS LHE CONCEDIA PODER
Outro aspecto importante, na verdade o mais importante sobre o impacto que a igreja produzia nos de fora era o poder que Deus concedia àquela igreja para alcançar essa graça. Existem oportunidades que Deus dá a igreja e que precisam ser bem aproveitadas. Não tenho dúvidas de que a igreja de Jerusalém aproveitou bem a chance que teve. 
Na verdade, o entusiasmo dos de fora para com aquela igreja e todo o seu favor, não durariam muito tempo. O ritmo normal das coisas está pontuado na fala de Jesus: o mundo os odiará. Entretanto, o coração do crente e do descrente estão nas mãos do mesmo Deus e Ele os inclina conforme o seu querer. 
Deus concedia à igreja de Jerusalém um grande e poderoso carisma. Deus faz isso de vez em quando, especialmente em tempos em que ele quer salvar muitas vidas e tornar um ministério mais visível. Isso tudo deve ocorrer em consonância com a vida de adoração e amor da igreja, não obstante, a vida de submissão e disposição de servir a Deus, conforme as oportunidades que Ele conceder. 
A soberba é um dos pecados mais abominados na Escritura. A soberba nos leva a considerar que nossos sucessos existem exclusivamente por conta de nossa eficiência e capacidade. Isso nos leva a voltar as costas para Deus e nos ter como deuses. 
Deus deseja que sua igreja saiba que tudo o que acontece em sua vida é fruto e obra do trabalho dEle, usando nosso labor, nunca como resultado direto de nosso labor exclusivamente. Creio que um dos principais fatores para causar um impacto positivo é que deixemos Deus fazer as coisas do jeito dEle e não tentemos dar uma de "pequenos deuses" como maneira de forçar tal impacto. 
Lucas escreveu esse livro para nos mostrar que o poder que havia descido sobre a Igreja era de Deus (o Espírito Santo) e não um poder centrado na capacidade dos seus apóstolos. Um dos erros cometidos no novo testamento pela igreja primitiva foi o de, muitas vezes, considerar os seus líderes mais importantes que a mensagem do Evangelho e tantas vezes o próprio Reino. 


CONCLUSÃO
Aprendemos algumas coisas sobre a relevância, importância e impacto da igreja em relação aos descrentes. Primeiramente, que não devemos centrar o nosso trabalho nas pessoas de fora, mas concentrar as nossas energias em agradar a Deus. Em segundo lugar, ao cuidarmos da igreja como um corpo e agência de transformação de vidas, não iremos no caminho contrário de nos parecer com o mundo e sim transformar os que vêem do mundo. Em terceiro lugar, submissão a Deus e humildade devem marcar nossa característica eclesiástica. Não podemos fazer do crescimento eclesiástico um instrumento de auto-glorificação, mas considerar que, quando Deus nos conceder essa possibilidade, a glória deverá ser dada a Ele e somente a ele. 


APLICAÇÃO
Como igreja desejamos crescer e nos tornar uma igreja influente e presente na sociedade que nos cerca. SE não desejássemos isso, creio que estaríamos faltando em parte com o nosso papel de luz para o mundo em trevas. Entretanto, primeiramente, como igreja devemos trabalhar internamente para que nossa aproximação com Deus seja intensa e verdadeira. Enquanto tivermos uma oscilação tão grande de crentes que vêem à adoração do nome de Deus tão rarefeitamente, e outros tão desinteressados, outros tão pouco comprometidos com esse momento e outros só quando lhes interessa... bem, enquanto tudo estiver acontecendo assim em nossa igreja, poucas serão as nossas esperanças de crescer e causar impacto nos de fora, pois eles não amarão a Deus mais do que nós que já estamos nessa casa. 
Também devemos pensar em que a igreja deve ser uma agência de acolhimento de pessoas para serem transformadas. Duas coisas perigosas aqui: a primeira, quando a igreja achar que tem de se parecer com o mundo para lhes ser interessantes, eu afirmo que não é isso que eles precisam e não é isso que eles querem encontrar na igreja, pois isso já encontram de monte em outros lugares. O segundo perigo: é o da igreja não se importar com os que chegam e exigir-lhes somente que se adequem ao nosso padrão sem trabalhar em prol de sua transformação, esse tipo de comportamento, legalista faz a igreja se tornar um lugar desagradável e pouco eficiente na renovação de vidas. 
Para finalizar, creio que a nossa igreja deve seguir em sua maneira humilde de ser e seu apego ao serviço de Deus e submissão à sua vontade. Vamos pedir a Deus que nos mande o crescimento, por meio de avivamentos, crescimento natural, ou outro que ele achar apropriado, mas nunca, desejemos, para nosso próprio bem, domesticar Deus e impor-lhe nossos interesses. A vontade dele será feita. Amém. 

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